O tributarista Hamilton Dias de Souza, membro do Conselho Consultivo do ETCO, falou sobre os princípios que acredita que deveriam nortear uma reforma tributária e fez críticas ao projeto proposto na Câmara dos Deputados (PEC nº 45).
Ele lembrou que o país está diante de duas possibilidades: fazer uma reforma ampla, que chamou de “disruptiva”, envolvendo profundas mudanças no pacto federativo e na Constituição; ou realizar alterações pontuais para corrigir os problemas já identificados no modelo atual. E defendeu a segunda alternativa. “Não creio que uma reforma tributária deva abolir conceitos que já estão estabelecidos. Até porque muitas vezes esses conceitos demoram 20 anos, 30 anos para serem sedimentados”, afirmou.
Citando divergências que ainda persistem no sistema atual, como a devolução de valores cobrados a mais no regime de substituição tributária, a cobrança de ISS sobre operações de leasing e a criação de contribuições federais por leis ordinárias, alertou para o risco de que uma reforma radical introduza novos pontos de insegurança jurídica sem resolver os antigos. “Quando há uma reforma tributária disruptiva, alterando todos os conceitos, nós todos podemos imaginar o que vai acontecer. Quanto tempo vai demorar para todas essas coisas ficarem sedimentadas, e como os empresários, os contribuintes, como todos nós poderemos organizar a nossa vida”, disse.
Em relação à proposta, inserida na PEC 45, de criação de um imposto nacional, o IBS (Imposto de Bens e Serviços), em substituição aos impostos federais, estaduais e municipais, Hamilton desenvolveu um longo raciocínio para expressar seu entendimento de que a mudança viola cláusula pétrea da Constituição, que impede “emenda tendente a abolir a federação”. “Há uma jurisprudência no Supremo que diz: quando se amesquinha, quando se enfraquece a federação, há uma tendência a aboli-la. Portanto, ´tendente a´ é ´diminuição de poder´, ´enfraquecimento da autonomia´”, argumentou. Em sua avaliação, ao reduzir a autonomia de estados e municípios para instituir e alterar livremente seus tributos, o IBS recai nessa definição.
Ele também questionou o argumento de que a unificação dos impostos traria a necessária simplificação tributária lembrando que ela prevê um período de transição de dez anos com a sobreposição dos dois sistemas. “Nós teremos convivência do IBS com todos os demais tributos substituídos, com ICMS, com IPI, com PIS, Cofins, com Imposto sobre Serviço. Portanto, com custos de conformidade dos dois [sistemas de] tributos e com fiscalizações dos dois tributos. Eu diria que o coitado do contribuinte seguramente sofrerá muito”, disse.
Outras mudanças previstas na proposta, segundo Hamilton, poderão provocar novos pontos de insegurança jurídica, como a migração da tributação para o destino dos produtos e serviços, a aplicação do IPI a produtos primários e a criação de um novo tributo sobre “consumos especiais”. “E o que serão consumos especiais? O que o legislador do futuro quiser. E começa esse negócio com imposto seletivo e depois o imposto seletivo a a alcançar inclusive produtos razoavelmente essenciais”, alertou.
O tributarista alertou para o aumento extraordinário que a PEC 45 propõe para a tributação do setor de serviços, em comparação com o que é praticado atualmente. “A carga tributária máxima, que é de 5%, no dia seguinte viraria 25%, e nós teríamos um aumento de 500% sobre os serviços”, apontou.
Hamilton tratou também de temas que considera problemáticos no sistema atual, como o desvirtuamento da utilização de recursos arrecadados por meio de taxas, o excesso de liberdade para instituição de tributos por medida provisória e a majoração de tributos por atos do Executivo.
Em seguida, elencou alguns princípios que a reforma tributária deveria obedecer para melhorar o ambiente de negócios e trazer mais segurança jurídica ao País: simplificação, harmonia das normas do processo istrativo/tributário, transparência e neutralidade.
No final de sua palestra, o coordenador do evento, Everardo Maciel, lhe perguntou se o IBS proposto na PEC 45 poderia ser comparado com o Simples, no sentido de respeitar o princípio constitucional da federação. Hamilton mostrou a distinção entre os dois tributos. “O Simples não impede absolutamente que exista instituição normal de tributos por União, estados e municípios – até porque ele é opcional”, respondeu. E reafirmou sua visão sobre a inconstitucionalidade do IBS.
Palestra: Segurança Jurídica e Reforma Tributária
Palestrante: Hamilton Dias de Souza
Currículo (jun./19): Bacharel em direito, especialista em direito tributário e mestre em direito econômico e financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Membro do Conselho do Instituto dos Advogados de São Paulo, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Conselho Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação e do Conselho Consultivo da ETCO. Ex-presidente e atual membro da Academia Internacional de Direito e Economia. Titular da Cadeira de nº 34 da Academia Paulista de Direito. Foi professor de direito tributário da USP. Fundador e titular da Dias de Souza Advogados Associados.
Transcrição da palestra
Boa tarde a todos, quero agradecer em primeiro lugar aqui ao convite que o Vismona me fez, sob a coordenação do Everardo. Eu, que pertenço ao ETCO, tenho aqui uma grande alegria de estar presentes aqui ao que para mim é uma casa de amigos.
Mas eu tinha muitas considerações a fazer, sobretudo aqui inicialmente, porque há um dilema que nós veremos logo à frente em termos de reforma tributária e segurança jurídica, que é o que temos a fazer: nós temos que fazer uma reforma tributária ampla? Restrita? Constitucional ou não constitucional? E assim por diante.
Eu, em primeiro lugar, observo que o atual sistema tributário, o dito sistema tributário, ele basicamente foi completamente deformado. Ou por emendas constitucionais – nós temos hoje 40% dos dispositivos da Constituição veiculados por emendas constitucionais, sendo 80 dispositivos em 198. E por outro lado nós temos uma série de conceitos que foram deformados pela jurisprudência.
Eu não vou, eu até ia me deter um pouco sobre isso, mas a verdade é que essas questões foram muito bem colocadas aqui pelos que me antecederam.
Com reformas tributárias a pergunta é essa: reformas tributárias, elas devem ser disruptivas? Essa expressão tem sido muito utilizada pelo Everardo. Ou então essas reformas devem ser pontuais?
Eu já adianto que em minha opinião a reforma tributária, ela deve ser, na medida do possível, pontual. Não creio que uma reforma tributária deva abolir conceitos que já estão estabelecidos. Até porque muitas vezes esses conceitos demoram, como se viu há pouco, 20 anos, 30 anos para serem sedimentados. Sou, portando, favorável a uma reforma pontual. Mantendo-se aquilo que já está sedimentado no sistema.
E aqui coloco algumas questões que já foram objetos de inúmeras discussões, já se falou demais sobre faturamento e outras. Eu o para o slide seguinte para que os senhores verifiquem quantos conceitos constitucionais não foram alterados pela jurisprudência do Supremo Tribunal.
Trago aqui, vejam que coisa curiosa, em termos de ICMS e substituição tributária. O Supremo Tribunal Federal em 2002 disse que substituição tributária é algo definitivo. Portanto se se calcula o valor do ICMS na ponta ao consumidor, isso é definitivo. Se o Estado calculou um valor a maior, o contribuinte não pode te direito a qualquer devolução.
Vem o mesmo Supremo Tribunal Federal em 2017 e diz o contrário. Substituição tributária para frente, o estado deve calcular o valor correto, se o calculado é maior tem que devolver o excesso. E como fica a segurança jurídica em termos dessa substituição tributária? Como é que as empresas calculam corretamente o impacto que isso terá nos compradores?
Aí vem uma outra questão recente: ISS leasing. Qual o município competente para tributar o ISS? É o município onde estiver o tomador dos serviços ou o prestador dos serviços? A jurisprudência sedimentada do Superior Tribunal de Justiça dizia com todas as letras: é o município do tomador de serviços. Vem, entretanto, posteriormente, o mesmo tribunal, [aquilo] em 2008, vem o tribunal em 2013 e diz: não é o município do tomador, é o município do prestador.
Em matéria de contribuições, sobretudo as contribuições sociais, para seguridade social, as não definidas, as referidas no artigo 195, 4º, da Constituição, vem o Supremo Tribunal Federal por primeiro e diz: só por lei complementar podem ser instituídas essas contribuições, isso em 92. Vem o mesmo tribunal em 2003 e diz: não há necessidade de lei complementar, basta que essas contribuições sejam instituídas para uma determinada finalidade pública. Segundo caso, relator, ministro Ilmar Galvão, primeiro caso, Moreira Alves.
E vem agora o Supremo Tribunal Federal, depois de tudo isso, em 2014, e submete o mesmo tema a repercussão geral. Está em aberto e, portanto, nós, depois de 31 anos de sistema tributário não sabemos se essas contribuições necessitam de lei complementar ou podem ser veiculadas por mera lei ordinária.
O que eu quero dizer com isso? Para entrar no meu tema de reforma tributária e segurança jurídica. Quando há uma reforma tributária disruptiva, alterando todos os conceitos, nós todos podemos imaginar o que vai acontecer. Quanto tempo vai demorar para todas essas coisas ficarem sedimentadas e como os empresários, os contribuintes, como todos nós poderemos organizar a nossa vida.
Eu quero dizer aqui talvez alguma coisa que não é contrária ao Everardo, eu, o Humberto e tantos que estamos discutindo tanto sobre reforma tributária. Eu quero apenas dizer que sou muito simpático à ideia de fazer uma reforma tributária tanto quando possível no plano infraconstitucional.
Acho isso que o Everardo coloca impecável, entretanto, tenho alguma dificuldade em determinados temas. Em determinados temas eu acho que uma reforma tributária tem também que ser feita no plano constitucional, como adiante irei expor.
Quando se fala em reforma tributária, eu gostaria de referir aqui o que foi feito nos últimos anos. Eu analisei todas as reformas tributárias de 95 até agora. De alguma forma todos nós participamos um pouco dessas tentativas de reforma tributária. Essas PECs, todas elas referidas, todas tinham uma coisa em comum: unir os tributos sobre o consumo na competência federal. Todas.
Portanto, quando se fala de projeto hoje no Congresso Nacional, é a mesma coisa. Nenhuma dessas ou e hoje voltamos. E eu farei uma análise da PEC 45 que está no Congresso Nacional e que praticamente todos aqui, seguramente, já têm algum conhecimento dela, para apontar alguma coisa fundamental. Eu acho que ela tem alguns defeitos sérios.
Em primeiro lugar, parece-me que ela afronta o pacto federativo ao retirar competências de estados e municípios. Penso também, como demonstrarei ou tentarei demonstrar, que ela é extremamente complexa. E, por fim, nesse ponto uma demonstração matemática, que ela implica ao contrário do que se diz, aumento de carga tributária.
A essência do projeto eu coloquei aqui, solicitei e tenho essas transparências aqui para o efeito de facilitar a visualização de todos.
Há uma unificação dos tributos, portanto IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins ficariam na competência da União. Afirma-se que há uma competência dos estados apenas para variar as alíquotas dos estados e municípios, e penso eu que essa competência é no mínimo discutível.
Há uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços, o que significa que este Imposto de Bens e Serviços (IBS), se estados e municípios variarem as alíquotas, terão de fazê-lo para todos os produtos. Não adianta eu pegar um produto da cesta básica e falar: eu vou reduzir a alíquota para o produto da cesta básica ou para um determinado item, o mesmo com relação aos serviços. Se por acaso quiserem reduzir as alíquotas tem que ser para tudo e se quiserem aumentar também tem que ser para tudo. O que reduz extremamente o espectro da competência dos entes subnacionais.
Outro aspecto é que vem a lei e diz: uma lei complementar cuidará de tudo isso, este não é um tributo da União, é um tributo que na verdade será instituído e disciplinado por lei complementar. Essa lei complementar criará um comitê gestor que cuidará, entre outros aspectos, de arrecadação, fiscalização e outros aspectos do tributo. E mesmo o processo istrativo será disciplinado por lei complementar.
Eu penso que, na questão federativa, diz o artigo 60 e parágrafo 4º da Constituição que não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir a federação. Basta que seja tendente a abolir a federação. Eu faço aqui uma advertência, o que é “tendente a”? Aqui eu não fico com doutrina, há uma jurisprudência no Supremo que diz: quando se amesquinha, quando se enfraquece a federação, há uma tendência a aboli-la. Portanto tendente a é “diminuição de poder”, “enfraquecimento da autonomia”.
Eu não estou a dizer que haja um engessamento da Constituição. Eu não estou aqui a dizer que não se possam alterar competências. O que eu estou afirmando é que o núcleo de autonomia dos entes subnacionais tem que ser mantido. Eles têm de ter o poder de arrecadar seus próprios tributos, fazer política fiscal, enfim, não depender apenas do produto da arrecadação de tributo alheio.
Ai diriam alguns: mas federação, como a alemã, por exemplo. Os senhores não têm uma necessidade de competências privativas, basta que haja uma distribuição do produto da arrecadação. E, portanto, a união poderia criar o IBS, transferir o produto da arrecadação em parte a estados e municípios e a federação estará mantida. Mas aí vem outra observação: não há um modelo de federação válido para todos os países. O Supremo Tribunal Federal já o disse: o modelo de federação é aquele desenhado pelo legislador constituinte, pelo legislador brasileiro. Portanto, quando se fala em federação, nós temos que pensar na federação brasileira. E esta foi desenhada a partir de dois pilares: competências privativas para instituir tributo e participação do produto da arrecadação de tributos alheios.
Portanto, dentro desse pilar é que eu quero examinar a questão e demonstrar, ao que me parece, que o que houve, e nós veremos adiante, com relação a essa PEC, é que houve um ataque ao núcleo da autonomia de estados e municípios. Quando eu falo núcleo da autonomia de estados e municípios, vejam que o ICMS responde a cerca de 83%, pelos números que eu tenho, da arrecadação estadual, e o ISS, por volta de 46%, varia de município para município, mas nós temos aqui uma ordem de grandeza. E é claro que quando eu suprimo competência para instituir, nos estados, o ICMS, e nos municípios, o ISS, eu estou bulindo com o núcleo da autonomia desses entes subnacionais.
Afirma-se que o IBS não é um tributo da União, que o tributo vai ser instituído por lei complementar. E que lei complementar é uma lei nacional, é uma lei do estado nacional. Ora, não é verdade, lei complementar, senhores, é apenas aquela que tiver quórum de votação expressivo pela maioria absoluta dos membros das duas casas do Congresso Nacional. Qualquer lei da União, como a que institui empréstimos compulsórios e as leis que criam tributos com base na competência residual, elas devem ser instituídas por leis complementares e são leis complementares da União.
Portanto, não me impressiona minimamente o argumento de que a lei complementar é uma lei nacional. É lei nacional quando lei sobre leis de tributação. O código tributário nacional é uma lei de caráter nacional, que se dirige às três ordens parciais de governo, porém ele não elimina a legislação de união, de estados e municípios. Ao contrário, a lei complementar instituidora de tributos esgota toda a sua normatividade, não deixando campo residual à União, estados e municípios.
As alíquotas de referência desse tributo vão ser fixadas pelo Senado Federal, que é órgão da União. A arrecadação será centralizada e coordenada na União. A competência para julgar as questões desse IBS será da justiça federal. A possibilidade de alteração das alíquotas por estados e municípios é residual.
E aqui o ponto central, provavelmente, da grande divergência que existe com relação ao tema. Os senhores encontram hoje dois blocos muito claros: aqueles que entendem que é perfeitamente possível instituir IBS, porque, afinal de contas, há um resíduo de competência – os estados e municípios podem instituir alíquotas –, então não se diga que a competência deles foi suprimida.
Mas aí eu pergunto, primeiro, que essa competência não é para criar o tributo, é competência apenas para alterar as alíquotas. Mas qual o estado ou qual o município nesse país, onde há uma falência de poderes públicos, que na verdade estão todos de pires na mão, procurando que a união o socorra, quem vai reduzir suas alíquotas? Eu diria que ninguém, eu acho que essa competência é teórica.
Mas ele pode aumentar as alíquotas. Aí eu imaginei um município: o município aumenta suas alíquotas, mas aumenta para tudo. Ele aumentou, aumentou para produtos essenciais e aumentou para determinadas questões muito sensíveis. Por exemplo, ele aumentou e aumentou também para cesta básica e aumentou também o preço da gasolina. O que faria um munícipe de um pequeno município? Ele vai comprar no município ao lado. O supermercado, em vez de fazer naquele município, faz no outro.
O que eu quero dizer é que essa competência de alteração de alíquotas, que eu concedo que ela exista em alguma medida, mas ela é meramente residual, isto não é verdadeiramente uma autonomia. A autonomia foi reduzida de estados e municípios num ponto que, a meu ver, implica em enfraquecimento destes poderes – e implicando em enfraquecimento desses poderes, tende a abolir a federação.
Como eu disse, tem que ser uniforme e não pode afetar as alíquotas… Aqui há vários assuntos que eu vou ar porque são muito específicos.
E como disse anteriormente, quem cria o tributo? Quem cria o tributo é a União, quem cria o tributo é a União por lei complementar. Ele atinge bens, direitos intangíveis, e aí eu pergunto: e esses conceitos novos, como ficarão?
Professor Humberto, depois da sua exposição e também a do Quiroga sobre interpretação, eu aqui me perguntava, os senhores imaginem que esse novo tributo nós contamos 40 conceitos novos. Mas, como veremos, não são apenas 40 conceitos novos, há 151 dispositivos constitucionais que foram introduzidos – repito: 151, sendo 47 no texto constitucional e 44 no texto do ato das disposições constitucionais transitórias. O Everardo está me corrigindo aqui, são 151. Se a minha… se eu troquei 74 e 77, mas, enfim. 151 dispositivos constitucionais vão ser introduzidos.
É claro, eu diria, que a doutrina vai ter muito trabalho e o Supremo Tribunal Federal com as suas interpretações criativas poderá na verdade muito fazer a respeito de um novo tributo em malefício da segurança jurídica.
Além disso, nós temos um problema de complexidade do novo sistema. Há um período, eu não sei se todos estão [familiarizados], mas há um período de teste do novo sistema. Nos dois primeiros anos nós teremos incidência do IBS e de todos os demais tributos. Mas é um período de teste, teste por quê? Como o tributo é novo, muda-se, altera-se aquilo que no início tinha sido estabelecido.
E quem programou sua vida em função do primeiro texto vai ser surpreendido com modificações. Mas não só. Durante 10 anos, durante os 10 anos seguintes nós teremos convivência do IBS com todos os demais tributos substituídos, com ICMS, com IPI, com PIS, Cofins, com Imposto sobre Serviço etc.
E, portanto, com custos de conformidade dos dois tributos e com fiscalizações dos dois tributos. Eu diria que o coitado do contribuinte seguramente sofrerá muito e tudo isso para, segundo os autores do projeto, para resolver um problema de complexidade e para transformar isso aqui num tributo mais simples. Isso seria na verdade um caminho para a simplificação.
Mas não para aí. O que é extraordinário é que o tributo, na verdade, migrará para o destino. Não só estados. A alíquota final não será a alíquota final do estado, mas a do município. Portanto, conforme o município – e o município competente será aquele município do destino. E muitos municípios vão perder e muitos estados vão perder. Outros ganharão. Então, se nós imaginarmos, num país que nós temos 5570 municípios, os senhores imaginem os conflitos federativos dos municípios perdedores que estarão exigindo da união que recomponha suas perdas.
Mas o projeto prevê perdas e o projeto inclusive assinala que essas perdas têm que ser recompostas num prazo de meio século, num prazo de 50 anos. Daqui a pouco nós vamos ouvir o Gustavo falar sobre a tributação do futuro.
E eu lembrava de você, Gustavo, porque hoje em dia quando se pensa em qualquer futuro… O futuro no Brasil sempre foi meio incerto, mas pensar em um futuro de 50 anos, eu creio que isso não é uma tarefa fácil, enfim, isso não é simples.
Mas, por fim, senhores, aqui se fala que não haveria aumento de carga tributária. Aqui eu me pergunto, e me perguntei e, note bem, eu estou fazendo essas críticas aguardando respostas, eu não estou aqui pretendendo de maneira alguma ter uma resposta para todas as questões. Eu gostaria de ser contestado.
Fala-se que esse sistema não aumentará a carga tributária, mas como vai ser fixada a alíquota do tributo? A alíquota desse IBS será fixada pela soma da carga tributária que incide no plano federal, de IPI, PIS e Cofins; dos estados, de ICMS; e dos municípios, do ISS. Mas no plano federal nem todos os produtos sofrem carga tributária de IPI, só que a partir deste modelo todos os produtos, inclusive os produtos primários, arão também a sofrer a carga tributária do IPI. O que implicará num aumento matemático de carga tributária.
Alguém poderá dizer: mas não é tanto, o IPI. Mas não basta. Como haverá ainda o imposto seletivo de competência da União no projeto, a par desse aumento de carga tributária matemática, ainda terá a criação de um outro tributo – este sim, que incidira sobre consumos especiais.
E o que serão consumos especiais? O que o legislador quiser. O que o legislador do futuro quiser. E começa esse negócio com imposto seletivo e depois o imposto seletivo a a alcançar inclusive produtos razoavelmente essenciais.
Portanto, em termos de carga tributária, há um aumento. Mas o exemplo número 2 é o que é mais extraordinário. Ocorre nos serviços. Imaginem os senhores os municípios – e nos municípios nós temos os pequenos serviços: é o serviço do encanador, do cabelereiro e tudo mais, cuja alíquota máxima hoje é de 5%. Profissionais liberais nem isso, porque tem um tributo fixo, e, portanto, muitos dos quais que estão aqui hoje são advogados, sabem o que nós temos de carga tributária. A carga tributária, se imaginarmos que a máxima e, não para todos, é de 5%, a carga tributária do dia seguinte viraria 25%, e nós teríamos um aumento mínimo de 500% sobre os serviços.
Eu realmente acho que a afirmação de que esta PEC não implica aumento da carga tributária merece alguns reparos e talvez algumas considerações. Simplesmente, dizem que jogar pedras é fácil. Eu vou fazer algumas sugestões. Sugestões de caráter absolutamente pessoal, que vou ar muito rapidamente, que eu acho que devemos ter. A primeira coisa é com relação a tributos federais. Eu acho perfeitamente possível, a despeito de haver algumas discussões sobre isso, a união no plano federal de IPI, PIS e COFINS – e bastaria, um problema de seguridade, que aí houvesse com relação ao produto da arrecadação, parte fosse destinado à seguridade social.
Falo eu e vou voltar mais adiante. Supressão com isto da competência para que a união possa instituir novas contribuições sociais. Eu aqui quero fazer um reparo e quero fazer uma advertência. Eu examinei essa questão proposta dessa PEC e verifiquei o seguinte: há aumento de carga tributária, há complexidade e tudo isso é contra o contribuinte.
Eu ouvi muito aqui falar em liberdades públicas e que o sistema tributário deveria ter em vista o contribuinte. O que eu vejo é facilidade de arrecadação para o fisco, aumento de carga tributária para o fisco e mais: não houve supressão, numa reforma disruptiva, de algumas coisas que têm atormentado a vida dos contribuintes e que, de alguma forma, têm contribuído para a atual situação do sistema tributário, como as contribuições.
Quem de nós não sabe que as contribuições deformaram o sistema tributário e que as contribuições implicaram um enorme aumento de carga tributária?
Em estudo que foi feito anos atrás pela Fiesp sobre o assunto, a carga tributária oscilou de 22, 23%, chegou até 35% e o grande vilão no plano federal do aumento da carga tributária foram as contribuições. Entretanto, nesse sistema, continuariam as contribuições.
A par disso, no plano estadual, e vem aqui uma sugestão absolutamente nova, em que eu estou dividindo com os senhores, ao pensar sobre essa palestra isso me ocorreu, que é exatamente o problema do comércio digital, na verdade, da economia digital.
Na economia digital, esse é um problema tremendo, um pouco sem solução, até hoje. Como fazer? Nós vamos tributar e são serviços, são os municípios. Os municípios têm condições práticas de cobrar esse imposto? E o campo aqui de fato geradores, que na verdade se chocam ao saber se isso pertence à competência de estados e de municípios, que seriam aqueles fatos geradores confrontantes.
Eu diria, tudo aquilo que pertence a essa economia digital, essa é uma ideia a ser aprofundada, deveria ficar na competência dos estados, para que isso fosse tributado pelo ICMS. Isto não implica uma alteração no núcleo da competência dos municípios. Isso me parece perfeitamente possível, sobretudo porque os municípios poderiam ser compensados ou por transferência da arrecadação de outros tributos ou até com uma alteração das competências previstas na própria Constituição. E os municípios ficariam com a competência dos demais serviços.
Eu vi as críticas hoje durante todo o dia do que seriam serviços e da deformação do conceito de serviços pelo Supremo Tribunal Federal. Mas o fato é que realmente hoje nós temos uma dúvida muito grande com licenciamento de bens, locação, cessão de uso e uma série de coisas que, uma coisa é certa, não poderiam ficar sem nenhuma tributação.
Vem o Supremo e, parece-me que essa é a posição atual, e dá um conceito muito amplo de serviços, como oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades materiais e imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens.
É uma definição bastante ampla, mas é a definição do Supremo. Eu diria, os municípios ficariam com essa competência. Se estamos falando em reforma constitucional, a reforma constitucional tem que ter uma base ampla, de forma que não haja determinados bens ou serviços que fiquem à margem da tributação. Isto, evidentemente, fica aqui para o campo da reflexão de cada um, mas é uma ideia.
E aí há algumas questões pontuais. Eu começo com as taxas. Hoje, nós temos taxas com base no poder de polícia, em que elas são completamente desvirtuadas do seu objetivo. Cria-se uma determinada taxa, como essa taxa que eu cito aqui, que é do Fistel, do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações. Apenas 2% do produto da arrecadação foi destinado ao fundo. Os outros 98% foram contingenciados e hoje, na verdade, foram utilizados nas despesas da União Federal como qualquer imposto.
A mesma coisa com relação a contribuições. Eu não tenho tempo, peguei uma só. Uma contribuição para o FUST, que é o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, que aí o exemplo é mais forte. 0,002% da arrecadação foi para o Fundo. Ou seja, nada. Foi tudo contingenciado e tudo foi para a União. E aqui se fala: não, mas isso aqui é apenas uma contribuição. A meu ver, tanto nas taxas como nas contribuições deve haver uma alocação obrigatória, sem, portanto, contingenciamento do que é arrecadado, à finalidade que é própria ou da taxa ou da contribuição.
No caso das taxas, a taxa tem que ser dimensionada em função do custo da atividade. E no caso das contribuições, as contribuições a par de deverem ser instituídas por leis complementares, e eu explico: se a competência residual da União requer lei complementar, por que não contribuições que funcionam como tributos, quase como impostos? A prática verdadeira das contribuições é que elas têm sido usadas como verdadeiros impostos.
E a contribuição é cobrada de quem? Ela é cobrada de um grupo de indivíduos afetado por uma determinada atividade estatal. Quem devem ser os contribuintes? Os que pertencerem ao grupo. Essa é a sugestão que faço.
Eu estou sendo muito rápido nisso. Este tema a meu ver mereceria uma exposição muito longa. Creio e chamo a atenção de todos e posso aqui eu afirmar que, na minha opinião, a irracionalidade do sistema tributário, plasmado pela Constituição de 1988, seguramente foi deformada em grande parte pelas contribuições.
E aqui algumas coisas pontuais. Medidas provisórias em matéria de tributos. Fala-se hoje, hoje se lê nos jornais, que se pretende proibir que medidas provisórias instituam tributos. Eu tenho insistido há muitos anos que leiam a Constituição, o artigo 62 da Constituição, que diz que “em caso de urgência e relevância poderão ser instituídas medidas provisórias”.
E aí a minha pergunta, pergunta não, o que que é caso? Caso é alguma coisa do mundo das decisões? Alguém decide alguma coisa: o caso é aquilo que estava na minha cabeça? Caso é alguma coisa que pertence ao mundo dos fatos. E, portanto, quando houver um acontecimento no mundo dos fatos que seja relevante, ou seja, ele se destaca em grau de importância e que exige uma providência normativa urgente, só aí cabe medida provisória.
Eu sei que o tema também não é tão simples assim, mas se por acaso o poder executivo fosse obrigado a justificar cada medida provisória para dizer qual fato que ocorreu, qual cataclismo que ocorreu para que eu possa, eu poder público, eu poder executivo, editar uma medida provisória…
E aí eu pergunto, e até ficaria interessado que alguém me respondesse, em matéria tributária, qual caso que alguém conhece que tenha justificado a edição de uma medida provisória em matéria tributária? Eu tentei. Não consegui achar nenhum. O que significa que as medidas provisórias em matéria tributária têm sido utilizadas indevidamente.
Majoração de tributos por atos do Executivo. O Executivo tem majorado tributos, imposto de importação, IPI, IOF, exportação, sem qualquer motivação. Hoje se falou muito aqui em segurança jurídica. Eu me lembrei de um caso. Há muito tempo atrás, me defrontei com um caso em que importadores de veículos tinham fechado os seus câmbios, fechado os seus negócios, concluído as suas operações – e apesar de concluídas as operações, as alíquotas foram aumentadas extraordinariamente. Mas os veículos já estavam embarcados. Era impossível mudar aquela situação. E o fisco acabou entendendo que não havia direito adquirido nenhum, que realmente o Executivo poderia aumentar as alíquotas de inopino e sem justificação. E sem justificação.
Não há verdadeira motivação na alteração de alíquotas pelo Executivo. O que significa o quê? Que o princípio da legalidade em matéria destes tributos fica muito reduzido, porque quem na verdade define quanto vai ser cobrado é o Poder Executivo em agressão ao princípio da legalidade.
Eu acho que tem que ter uma motivação suficiente. Imagino que em uma Reforma Constitucional deva ter uma não-cumulatividade ampla, coisa que já todos falaram. Uniformização do processo istrativo me parece também essencial. Desoneração ampla das exportações.
Já fui advertido que o meu tempo está prestes a se encerrar. E em respeito ao meu tempo eu abreviei um pouco este final, mas gostaria de falar um pouco sobre como encaro, quais os princípios que eu acho que devem nortear esse sistema tributário.
O primeiro deles, pilar de todos os princípios, como foi dito, é o da segurança jurídica. Mas segurança jurídica, para eu não me repetir, é uma conformidade com a jurisprudência consolidada nos tribunais, respeito aos conceitos de direito privado, certeza do direito, previsibilidade e coerência e racionalidade do sistema tributário.
Há um livro que uma vez me chamou muito atenção, de um autor italiano, Enrico De Mita. Enrico De Mita escreveu um livro extraordinário para mostrar que todo sistema tributário tem que ter uma racionalidade. E tudo aquilo que desafia, uma irracionalidade, implica em inconstitucionalidade.
Ele dizia: Um tributo não pode ser um ônibus que caiba tudo nele. Portanto, o dever de racionalidade do sistema, eu diria, que é o dever de respeito à Constituição.
Simplificação. Deve haver uniformidade de normas, redução de complexidade. Estamos falando em complexidade. Seguramente, sobretudo em matéria de custos de conformidade, isso tem sido um inferno. O que se gasta no Brasil com custos de conformidade os empresários aqui presentes sabem.
Harmonia das normas do processo istrativo/tributário. Em cada município do país, em cada estado, temos um processo istrativo diferente.
Transparência. ei muito rapidamente, são muitos os temas. Mas acho que os tributos têm que ser cobrados por fora, e o contribuinte ao final de um processo circulatório tem o direito sim de saber o quanto está pagando, qual é a carga tributária que na verdade ele está sofrendo.
Neutralidade. Em neutralidade eu falo em não cumulatividade, como eu já disse, desoneração das exportações, medidas para afastar a pluritriibutação econômica, que ocorre, sobretudo, hoje em dia com as contribuições, e evitar-se os desvios concorrenciais tributários.
Eu creio que com esse modelo, eu na verdade tentei apenas dar aqui algumas pinceladas rápidas para dizer que não estou absolutamente confortável com o projeto de reforma tributária que está no Congresso Nacional. E penso aqui que algumas dessas coisas podem ser aproveitadas ainda num projeto futuro ou então numa carona que se tome no projeto atual.
Muito obrigado.
Questão de Everardo Maciel para Hamilton Dias de Souza:
EVERARDO MACIEL: Não é surpresa a qualidade de sua exposição e apenas para suscitar um tema aqui, já em função do adiantado da hora, ainda temos a exposição do nosso amigo Gustavo Brigagão, perguntar o seguinte: quando você falou sobre a questão da lei complementar (lei complementar federal, lei complementar nacional), como é que você encararia essa questão desse projeto diante do que hoje existe em relação à lei complementar do Simples?
HAMILTON DIAS DE SOUZA: O Simples é um sistema previsto na Constituição, no artigo 170 da Constituição. E no artigo 170 [se diz que] deve haver um tratamento privilegiado às empresas de pequeno porte. Para dar concreção e eficácia e esse princípio vem a constituição da possibilidade, que se insculpiu na Constituição, de haver a instituição de um sistema de arrecadação de tributos apenas, que fosse centralizada. Isso existiu com relação ao Simples.
O Simples não impede absolutamente que exista instituição normal de tributos por União, estados e municípios – até porque ele é opcional. Portanto, para mim, eu creio que quando se fala do sistema atual, o sistema proposto, ele não é nada mais do que algo que já foi feito, eu diria: isso não tem nada a ver com o Simples. Aqui é criação e instituição de tributo por lei complementar. Falei muito rápido sobre isso, mas a meu ver é um tributo claramente da União. Um tributo claramente da União, arrecadado pela União, fiscalizado pela União. O processo istrativo, também instituído pela União.
Eu falava com o Quiroga, me permita trazer aqui uma conversa rápida que tivemos, porque eu achei interessante. Quiroga me dizia, para minha grata surpresa, que Schoueri, que eu creio que, dos juristas que nós conhecemos, os juristas de grande nomeada, o único jurista que tinha uma posição firme pela constitucionalidade. O Gustavo, eu já o ouvi, mas não sei. Portanto eu não quero colocar você nisso, pois não sei qual é a sua posição.
Mas o Schoueri tinha uma posição que era constitucional, e agora Quiroga me disse que não, que ele foi convencido que esse projeto é inconstitucional. Por que o projeto seria inconstitucional? Porque na verdade o comitê gestor seria completamente gerido de forma centralizada, toda a istração… enfim, tudo que se refere ao comitê gestor, seria um órgão quase supranacional.
Eu quero dizer que não penso que esse comitê gestor vá ser um órgão supranacional. Para mim, o comitê gestor será apenas regulado por lei complementar da União Federal (Câmara e Senado federais), apenas por um quórum específico, porém a regulação de toda essa matéria será da União.
Quando se fala um tributo estadual, o que é um tributo estadual? É um tributo instituído por lei estadual. E o que é um tributo federal? É um tributo instituído por lei federal. Este IBS vai ser instituído por lei federal, portanto é um tributo federal. E o órgão que vai disciplinar tudo isso será regulado de que forma? Por lei complementar da União e, portanto, será um órgão federal.
Para mim, eu não chego nem ao ponto de imaginar que esse comitê gestor será um órgão nacional, e a participação de representantes eventuais, nos termos da lei complementar, de estados e municípios no comitê gestor, não muda nada. A verdade é que o comitê gestor será seguramente presidido por representantes da União, controlado pela União. O tributo é federal e os órgãos istrativos serão órgãos regulados e disciplinados por lei federal.
EVERARDO MACIEL: Eu concordo integralmente, dentro das nossas conversas nós já tínhamos um ponto de vista mais ou menos formado e um entendimento comum sobre esse assunto. E, portanto, eu subscrevo integralmente o que você disse, e não vou dizer aquilo que uma pessoa um pouco mais maledicente, pernambucano, que disse que o nome desse imposto não é IBS, é Íbis. Íbis é o pior time do mundo.